A prática de se reprimir os sentimentos

Eu tive que crescer muito cedo e muito rápido e tenho certeza de que ninguém deveria ter que crescer assim. Bem diferente de alguns grupos de pessoas, meninas como eu, negras, têm que ser muito mais fortes e enfrentar situações que exigem muita maturidade emocional. Colocando em perspectiva, foram bem poucas vezes que alguém teve paciência de me explicar um processo de aprendizagem com calma e paciência, durante a minha infância.

Nos espaços em que eu passei, as figuras de autoridade, como professores, nem me consideravam como alguém com potencial para aprender, ou não tinham muito paciência e cuidado. Meus pais sempre tentaram me preparar para isso, do jeito deles, que era fazer de mim muito mais preparada que as outras crianças. Eu sabia me vestir, me alimentar, me limpar, eu sempre soube recolher minha própria bagunça e limpar minha sujeira. Meus pais me ensinaram tudo, até ser alfabetizada eu fui em casa. Quando eu chegava na escola, na igreja, no parque ou no passeio eu já chegava pronta.

Independência e autonomia são características bem fortes na minha personalidade, mas eu acho que isso me atrapalhou em desenvolver algumas habilidades que eu também gosto muito, como a capacidade de me colocar em um colo e receber cuidados quando preciso. Eu nunca fui muito tratada como criança. Nunca tive de verdade, o direito de errar na escola. Se eu errasse, nunca mais minhas professoras me dariam a chance de tentar, porque elas já começavam achando que eu não conseguiria. Se eu sentisse alguma dor física ou passasse mal, eu nunca contava. Eu não podia dar trabalho, eu já era mais trabalho do que as outras crianças, só por ser quem eu era e estar ali.

O que me faltou foi a possibilidade de pôr meus sentimentos no mundo, da forma como eles eram e me vinham e ainda assim ser amada e aceita pelas pessoas.

“A prática de se reprimir os sentimentos como estratégia de sobrevivência continuou a ser um aspecto da vida dos negros, mesmo depois da escravidão. Como o racismo e a supremacia dos brancos não foram eliminados com a abolição da escravatura, os negros tiveram que manter certas barreiras emocionais. E, de uma maneira geral, muitos negros passaram a acreditar que a capacidade de se conter emoções era uma característica positiva. No decorrer dos anos, a habilidade de esconder e mascarar os sentimentos passou a ser considerada como sinal de uma personalidade forte. Mostrar os sentimentos era uma bobagem.” — Bell Hooks, em “Vivendo de amor”

✍🏾 #AsMariasDaCasa

Contribuição de Laís Melo,

psicóloga do corpo clínico da Casa de Marias