“Quando eu morder
a palavra,
por favor,
não me apressem,
quero mascar,
rasgar entre os dentes,
a pele, os ossos, o tutano
do verbo,
para assim versejar
o âmago das coisas…”*

No grupo de Escrita Terapêutica para Mulheres Negras, que coordeno aqui na Casa de Marias, estávamos conversando como estamos nos sentindo nesse momento e uma das participantes disse o quanto ler poesia tem sido acolhedor.

Ler mulheres negras é, de forma geral, muito importante pra nós, e, vou dizer especificamente nós, mulheres negras, que ainda sofremos muito com o machismo e racismo também nesse lugar da literatura. E eu vejo esse lugar da escrita/leitura como um processo identitário, de resistência e (auto)valorização.

Fiquei pensando o quanto ler (ou ouvir) poesias de mulheres negras pode ser um recurso potente de autocuidado, ainda mais nesses tempos que a gente vem construindo e reconstruindo possibilidades (e se reconstruindo também). Trago a poesia pra essa reflexão como forma de expressão artística. E temos percebido, cada vez mais, o quanto arte e saúde mental andam juntas.

A poesia está no nosso cotidiano, nas relações…está no livro, no slam, nos saraus, nas músicas, no rap. Parando alguns minutinhos, conseguimos ler um poema inteiro, que pode nos gerar diversas sensações, inclusive de cura. Se nos identificamos com o poema, é uma sensação de encontro e de afeto, mesmo que cada um tem sua leitura muito particular do mesmo poema e, quando lemos o mesmo poema em outros momentos de nossa vida, pode gerar outras sensações e significados. A poesia nos atravessa e restaura.

Poesia pra mim, também é transformação: É poder dar sentido ou um novo sentido ao que nos acontece, usando as palavras como nossa voz ou para dar voz aquilo que quase ninguém parou para ouvir. Poder ler poesias de mulheres negras é potente, porque também é um encontro com nossa história, nossa ancestralidade, caminhos de pertencimento, amor e amor próprio. Poesia é nossa marca no mundo.

E você, já leu poesias de mulheres negras?

“…Quando meus pés
abrandarem na marcha,
por favor,
não me forcem.
Caminhar para quê?
Deixem-me quedar,
deixem-me quieta,
na aparente inércia.
Nem todo viandante
anda estradas,
há mundos submersos,
que só o silêncio
da poesia penetra..” *

Trechos do poema  “Da Calma e do Silêncio” – Conceição Evaristo

✍🏾  #AsMariasDaCasa
Contribuição de Letícia Silva,
psicóloga do nosso Corpo Clínico