Maternidade, ancestralidade e subjetividade

A maternidade é um tema que me interessa muito. Maternidade, ancestralidade e subjetividade é uma combinação perfeita. Moro em bairro periférico e acompanho minha maternidade e a de outras mulheres pretas da minha convivência. Às vezes rabisco algumas letras e o conto que aqui está é de minha autoria. É uma simples narrativa para ilustrar o dia a dia de mães negras, que lutam para que seus filhos não façam parte das estatísticas sociais sobre homens jovens e negros que vivem nesses espaços.

AKIN

“Cada cabeça é um mundo!” Crispina falou com olhar distante e voz baixa. Mulher preta de alma antiga. Sua filha Luana entrou em casa ofegante, resquício da ladeira longa, reclamou do calor e foi para a cozinha guardar os cinco itens que comprou no mercado.

“Você viu Akin?” Perguntou Crispina, enquanto olhava o filho da vizinha empinar uma arraia de papel seda. A garota gritou da cozinha:

“Deve estar por aí, medindo rua”

A mulher novamente falou do abandono do ex-marido e da carga que tinha que carregar sozinha. Xingou o pai de seus filhos, e como se estivesse distraída, quis saber mais uma vez o que significava o nome do filho. Luana falou pausadamente: “guerreiro, mainha, guerreiro”. A matriarca lembrou do menino William, morto no mês passado, e a palavra guerra lhe veio à memória como um chute na porta e sons de tiros.  Olhou mais uma vez para a rua e desejou que Akin estivesse ali com sua arraia e seus gritos de alegria quando cortava a arraia de alguém.

As horas passando, o peito apertando. Já passava das duas horas da tarde e Akin não aparecia. Lembrou do sorriso do garoto de dezessete anos e teve vontade de chorar.  Já se levantava para acender uma vela para o santo, quando Luana gritou: “Mainha, Akin chegou!” O filho não estava com cara de quem aprontou, e antes que a mãe brigasse com ele, mostrou-lhe um papel e lhe informou:

“Estava na casa de Maurício, um colega da escola, ficamos tentando a inscrição no ENEM, demorou, mas conseguimos. Vou querer ir para a faculdade mainha!” Crispina desarmou-se da briga e do medo. Fixou o olhar na arraia azul que tremelicava no ar e falou pra si mesma: “Akin, guerreirro. Ogunhê!”

✍🏾 #AsMariasDaCasa
Contribuição de Marlene Oliveira,
psicóloga de nosso corpo clínico.