Hoje quero falar sobre sentir-se sozinha. Não é raro escutar na clínica, em especial de mulheres negras, as dores produzidas a partir do sentimento de solidão. Não estou aqui falando sobre relacionamentos amorosos ou sobre a ausência de um/a companheiro/a, necessariamente. Estou falando desses momentos em que se olha ao redor e esse pensamento/constatação toma a cena: “eu não tenho ninguém”.
 
Quero te convidar a pensar sobre isso em profundidade, como algo construído/produzido socialmente ao longo do tempo, de uma vida. Precisamos sair, com urgência, dessa lógica de pensamento racista, individualista, “coach vibes” e liberal que culpabiliza e diz: “a solidão é uma escolha”. Como se fosse possível admitir o pressuposto de que todas/os temos as mesmas condições de escolhas, como se partíssemos de um mesmo lugar. Como um dos desdobramentos do racismo estrutural, sabemos que mulheres negras são reiteradamente colocadas no lugar de quem “dá conta”. As vezes, esse lugar vem “maquiado” para parecer algo positivo: “ela é forte, corajosa, não precisa de ninguém, consegue sozinha”. Sozinha. Por vezes, conseguir sozinha é o que, de certa forma, pode garantir algum lugar possível, algum reconhecimento do outro. É cruel.
 
A solidão também passa por caminhos subjetivos complexos, como os desafios para autorizar a aproximação do outro, por exemplo. Me sinto sozinha, ao mesmo tempo que tenho dificuldades em pedir ajuda, confiar no outro, permitir que o outro cuide de mim, me sentir confortável em situações que revelam minha vulnerabilidade ou fraquezas diante do outro. Aí me afasto, querendo estar perto. Aí me vejo sozinha e mergulho na angústia. Situações complexas, permeadas de quest,ões profundas. Por isso, me parece importante olharmos para a solidão como algo produzido por circunstâncias históricas, sociais, culturais e políticas também, muito para além de algo exclusivamente íntimo, subjetivo e fruto de escolhas individuais.
 
 
🌳 Ana Barros Silva é psicanalista e coordenadora-geral da Casa de Marias