Saúdo as minhas irmãs
de suor papel e tinta

fiandeiras
guardiãs
ao tecer o embalo
da rede rubra ou lilás
no mar da palavra
escrita voraz.

Saúdo as minhas irmãs
de suor papel e tinta
fiandeiras
tecelãs
retratos do que sonhamos
retratos do de que plantamos
no tempo em que a nossa voz

era só silêncio

Poema Retratos de Graça Graúna
Livro: Antologia retratos
Organizado por Elisabeth Siqueira
Edições Bagaço (Recife/PE, 2004)

Meu nome é Luciana Braga, psicóloga, mãe. Nascida e criada na zona leste de São Paulo. Raízes negras e indígenas. Em minha ancestralidade há deslocamento forçado, etnocídio e estupro. Mas também há aquilombamento, resistência e amor.

Meus avós saíram do campo para a cidade, buscando uma ‘vida melhor’. No mundo inteiro, milhares ainda se deslocam pelo planeta em busca de uma ‘vida melhor’. Enfrentam risco de morte, deixam crianças e amores para trás. Muitos chegam ao Brasil. Povo ‘caloroso’, ‘acolhedor’. Pode até ser, desde que seja para brancos, ricos, do hemisfério norte e cristãos.

Na Casa de Marias, sou responsável pelo projeto As Marias do Mundo. Um grupo de escuta psicológica voltado para mulheres em situação de imigração e refúgio no Brasil. A cada encontro, escuto relatos de resistência, de união, de resiliência e de superação. Mas também escuto relatos de racismo, misoginia e xenofobia do brasileiro para com nossas irmãs africanas, caribenhas e andinas que aqui chegam em busca do ‘melhor’.

Temos muito o que avançar para que sejamos um país que aceita e valoriza coletivamente a sua diversidade cultural, étnico-racial, linguística e religiosa. Para que nossa política e nossa cultura girem em torno de valores de igualdade e de justiça social. Por isso, busco fazer uma psicologia da descolonização, da libertação e da transformação social. Por isso, hoje, dedico o poema Retratos de Graça Graúna (acadêmica potiguara que vive no nordeste do país), dedico esse poema a nossas irmãs africanas, andinas e caribenhas que vieram ao Brasil em busca da ‘vida melhor’.

Aquilombemos. Resistamos. Que nossa voz nunca mais seja silêncio. Que possamos juntas ocupar lugares de poder e de decisão. Que possamos nos autogovernar. Que possamos reconstruir essa sociedade, em torno de valores de um feminismo comunitário, afro-indígena, periférico e popular. Que alcancemos não a ‘vida melhor’, mas o ‘bem-viver’.

👉🏾 #AsMariasDaCasa
Contribuição de Luciana Braga,
Psicóloga do nosso corpo clínico

 

* Graça Graúna, indígena potiguara, nascida no Rio Grande do Norte, escritora e professora na UPE, coordenadora do Grupo de Estudos comparados: literatura e interculturalismo junto ao CNPq. Acompanhe: www.gracagrauna.com